sábado, fevereiro 05, 2011

MENSAGEM AOS SEMI-CIDADÃOS DO TUCANISTÃO

CARTA ABERTA AO SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Caro Secretário Herman Jacobus Cornelis Voorwald

Meu nome é Pedro Ramos de Toledo e quero aproveitar este espaço para externar meu profundo desagrado para com a posição do Governo do Estado referente aos professores obesos aprovados em concurso da Rede Estadual de Ensino. Após um ano e meio de processo seletivo, no qual fomos submetidos a duas provas eliminatórias e um curso de formação com avaliações semanais, nos vemos proibidos, de forma grotescamente impessoal, de exercer a profissão de professores, um sonho para muitos de nós.

Sou obeso e como muitos outros que sofrem da mesma condição, também fui considerado incapaz de exercer a profissão de professor. A pessoa obesa sofre cotidianamente com a discriminação social. Somos considerados feios, preguiçosos e mal-ajambrados. Não raro o obeso é motivo de piadas ao tentar passar por uma catraca ou uma porta giratória, ou mesmo vítima de hostilidade ao ser obrigado a se esgueirar no meio da multidão em estabelecimentos e transportes públicos lotados. Estamos sujeitos a conviver diariamente com troças, forma debochada de desprezo e, diferentemente de outras “minorias”, nos encontramos em condição especialmente vulnerável, pois não contamos com entidades de defesa de nossos direitos humanos ou campanhas de conscientização contra o preconceito.

Se o quadro já não é desolador, o Poder Público do Estado de São Paulo, na contramão das políticas inclusivas que alicerçam a luta dos Direitos Civis em nosso país, decide limitar a cidadania de todo um grupo social, tornando-nos, aos olhos do mundo, cidadãos de segunda classe. A exclusão de obesos no processo seletivo da DPMESP é uma afirmação categórica de concordância com todos os estereótipos preconceituosos com os quais os obesos são estigmatizados. Legalizou-se a discriminação.

Caro secretário, até o momento as desculpas dadas pelo poder público são pífias. Afirmar que tais laudos se sustentam exclusivamente em critérios médicos é de uma pobreza intelectual atroz. Foucault já chamou a atenção para o papel disciplinador e coercitivo dos discursos “científicos”, que foram seguidas vezes utilizados como “fatos irrefutáveis” para justificar as mais diversas atrocidades. Hoje o “Gordo” é a bola da vez. Mas, não faz muito tempo, os mesmos médicos e cientistas diziam - amparados por dezenas de “pesquisas sérias e quadros estatísticos” acima de qualquer suspeita - que os negros, índios e povos mestiços eram geneticamente inferiores aos povos nórdicos. Tal afirmação tornou-se um regime de verdade que sustentou pavorosas políticas de embranquecimento e deu fôlego para doutrinas eugenistas por todo o mundo. Sob a máscara da neutralidade científica, regimes de verdades essencialmente reacionários podem se infiltrar nos aparatos coercitivos da sociedade e justificar práticas abertamente preconceituosas. O que ocorre agora é exatamente o caso.

Diversos obesos têm relatado situações de constrangimentos e humilhações durante a perícia médica: Uma professora, ao ser avisada que reprovaria no exame, já sob forte tensão, foi obrigada a ouvir um sermão sobre “como ela estava deformando o seu corpo”; outra, após explicar que engordou ao ter dado a luz ao seu primeiro filho, ouviu como resposta que “ela comia como se ainda estivesse grávida”. Eu mesmo fui obrigado a ouvir que “ninguém quer um funcionário balofo como você”. Este é o nível dos profissionais que nos vem julgando. Subterrâneo.

Não faço aqui uma apologia da obesidade, Secretário. Sei dos riscos à saúde que a obesidade traz, bem como do desconforto que vive o obeso. No entanto é lamentável que minha capacidade profissional seja sumariamente desqualificada por ser “balofo”. É humilhante ser tratado como um incapaz. É alvitante ser vítima de preconceito. A Secretaria perdeu uma excelente oportunidade de começar a mapear, através do departamento de perícia, servidores com problemas de peso para oferecer-lhes oportunidades de tratamento e, ao invés, empunhou insensivelmente a navalha da exclusão. Este episódio grotesco mostra como um regime de verdade científico pode agir como ferramenta de opressão e preconceito. Mais uma bola fora a figurar entre incontáveis medidas que caracterizam a péssima relação entre a atual administração e a Educação.

Mesmo o discurso que parte do ponto da administração é patético. Ainda que seja do interesse público vetar pessoas obesas de ingressarem no funcionalismo estadual para não assumir riscos de afastamentos e custeio de futuros e necessários tratamentos para os professores admitidos, tal interesse também deveria abarcar fumantes, idosos, pessoas estrábicas, hipertensos, anoréxicos, soropositivos, portadores de necessidades especiais, etc. Poderíamos extrapolar e estender tal restrição às mulheres em idade fértil, que estão sujeitas à maternidade e conseqüente licença. De um universo de grupos de risco, as pessoas obesas foram selecionadas arbitrariamente, sem qualquer lei ou resolução que fundamente juridicamente tal seleção. Novamente, discriminação.

Sou obeso. E sou plenamente capaz de exercer a profissão de professor. Minha formação acadêmica provém de uma das mais conceituadas Instituições de Ensino Superior do país e, posso garantir-lhe, é absolutamente sólida. Tenho a dedicação necessária para lecionar, a ponto de superar um concurso público longo e estressante e uma carreira há muito desvalorizada; tenho a vontade necessária, a ponto de abandonar um emprego estável que me paga o dobro do que receberei na rede; Tenho a convicção que a carreira do magistério é a mais nobre de todas as profissões e de que será, não nos tribunais ou nas salas atapetadas dos gabinetes e escritórios, mas nas salas de aula espalhadas pelos rincões deste país que transformaremos nossa nação na potência tão sonhada pelas gerações que nos antecederam. Não pense por um único momento que exista qualquer alternativa de desenvolvimento que passe ao largo dos professores. Não há.

Caro Secretário, é um fato que sou obeso. No entanto antes disso sou um brasileiro que ama sua terra e que quer fazer sua parte. Parem de atrapalhar e se afastem. Gordos ou magros, nós professores temos muito que fazer. Temos um país inteiro para construir.

Grato por sua atenção,

Pedro Ramos de Toledo, 34

Professor de História nomeado para a Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo e Obeso.


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