segunda-feira, outubro 18, 2010

A misoginia, a ordem democrática burguesa e a kombi

A primeira impressão é que é uma regressão do discurso e da prática política. Impressiona o emprego de misoginia na campanha à presidência: seja na ideia da mulher poste, seja na sua caracterização (oposta e contraditória) como mulé-macho, seja na instrumentalização da calúnia sobre o aborto. A tática da direita brasileira da regressão a um discurso político pré-liberal, ou mais precisamente, de extrema-direita devidamente acompanhada das milícias no bairro de Jardins, tem tudo a ver com as baixas expectativas da nossa esquerda. E aqui quero dizer esquerda de maneira ampla, quem quer uma sociedade igualitária de alguma forma, não a kombi de socialistas, em partido ou não, que acha que só quem está nela é de esquerda.

Estas baixas expectativas, das quais o governo Lula, creio, seja mais efeito do que causa, podem ser resumidas na nossa alegria de ver que nos últimos 8 anos, finalmente, consolidou-se a ordem democrática burguesa brasileira. Para quem achava que aqui só autocracia e porrada faziam o Capital acumular, ver um pacto-social-democrata em funcionamento é de fato uma mudança de grande fôlego.

Mas aí é que entra a relação das baixas expectativas com o arsenal sexista contra a Dilma: nem na Europa, nem nos EUA, nossos "modelos" de modernização burguesa democrática, a "modernidade" encerrou as superações nunca superadas. E como nossas expectativas são baixas, a direita não vê problema nenhum em tentar rebaixar ainda mais: tentar levar a política brasileira de volta para os anos 50-70. Se o liberalismo europeu está em franca regressão, o que dizer do cripto-centro (Direita!!!) da política brasileira? Um conjunto de agentes operadores do Estado em nome do lucro privado que nunca progrediram para poder regredir, já que sua consciência não chega nem a ser de classe, é uma consciência estamental!

Por isso não acredito que sejam regressões, acho que são habilitações de discursos e práticas vivíssimos no dia-a-dia, lado a lado com o preconceito contra tudo o que é de baixo (pobre, negro, mulher, bicha, e o resto). Está vivíssimo porque a realidade reproduzida no cotidiano está baseada em inúmeras desigualdades na divisão social do trabalho e da propriedade que prefere como personificações da acumulação de capital homens, brancos, heterossexuais (embora, depois dos anos 60 tenha aberto algumas poucas exceções). Falta politização ampla para combater isso, não no sentido que a kombi socialista diria, mas politização no sentido que Paulo Freire diria. Uma politização no cotidiano, não na reunião de formação do partido. E nisso, o sarcasmo espertinho e "jovem" da kombi não tem ajudado em nada.

Um sarcasmo cebrapista de esquerda, cínico (1), que encara com o horror a possibilidade da democracia burguesa ter se consolidado no Brasil e chama uma típica hegemonia social-democrata de hegemonia às avessas. Nas típicas hegemonias social-democratas, e também nas liberais, estas questões não foram superadas. Aqui, o arsenal da direita tem usado não só o "ponha-se no seu lugar, mulher" contra a Dilma, mas a homofobia, o rebaixamento da opinião do pobre, racismo e tudo o mais que chamei de "resto". E isso não está aí porque a Dilma foi apresentada como mãe dos pobres, está aí no cotidiano e uma presidente mulher seja mãe ou avó do povo, seja sapatão ou o caralho, é uma porrada nisso em algum nivel.

Na minha opinião, com toda a acumulação de capital, multinacionais brasileiras, intensificação da exploração do meio ambiente, UPPs e fundações operadas por sindicalistas velhos que vieram junto com o PT no Governo, o patamar para pensar socialismo no Brasil e no mundo hoje é outro. Era muito mais difícil projetar o socialismo quando o governo estava acertando um mercado livre com os EUA.

Mas não basta, né? Precisa retomar o projeto de uma sociedade igualitária, mas para isso, não acho que seja em cima do cinismo cebrapista e de leituras apressadas do 18 Brumário. É com crítica e pressão política pela esquerda, mas não com sectarismo picareta que usa o mesmo discurso que a direita.

(1)Nota de rodapé leninista-gramsciana cheia de insultos obrigatória: um cinismo que não quer ver que o Governo Lula, com todos os seus defeitos, é resultado da organização de um partido de trabalhadores de massa. Não adianta lavar as mãozinhas, chamar de traidor, que a culpa é do Zé Dirceu e fingir que não conhece mais para fundar outro partido 100% ético. E "jovem".
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